Já imaginou se as pessoas que viveram na Idade Média tivessem acesso à internet? Começo o texto fazendo esta pergunta ao leitor a fim de questionar a verdadeira relevância da informação – e sua disponibilidade em tempos modernos.
Você já deve ter visto essa cena em algum filme ou lido em livros: o herói entra no bar / taberna / saloon, lotado de sujeitos barbudos, mal-encarados (piratas, cowboys, mercenários, etc) e subitamente é chamado ao canto escuro por um indivíduo misterioso, de rosto coberto, que alega ter informações valiosas para a jornada do nosso herói – POR APENAS DEZ MOEDAS DE OURO! Poderia ser o esconderijo de um bandido WANTED – procurado pelo xerife local, ou seria a localização do valioso tesouro do temível pirata Barba-Hipster, enterrado em alguma ilha – mais provavelmente enterrado no cruzamento da Augusta com a Paulista, enfim…
O fato é: antigamente, informação valia ouro. Literalmente. Desde os tempos bíblicos, todo tipo de oportunidade dependia de informações privilegiadas. Mas não bastava possuir – era necessário manter em segredo e usar com cautela as informações. As guerras eram um ótimo exemplo disso. Todo povo, reino, vilarejo ou castelo precisava estar atento às suas fronteiras e muralhas. Ao menor sinal de poeira subindo ou bandeiras surgindo na linha do horizonte, o mensageiro tinha de correr, muito rápido, pra avisar as guarnições locais enquanto mobilizava toda sua network de agentes em campo – ou em cima das árvores, pra tentar identificar qualquer oportunidade ou ameaça.
O comércio também dependia da escassa informação. Ao saber que determinada cidade carecia de algum produto – carne, jóias, tapete, utensílios, os mercadores guardavam essa informação e partiam em busca desta empreitada, visando lucrar com aquela oportunidade. Ao cruzar no caminho com outros mercadores eles jamais revelariam seus planos. Do contrário, os concorrentes poderiam tomar proveito da informação, bastando apenas saber para qual cidade estariam se dirigindo para desconfiar que ali haveria algum tipo de negócio proeminente. E em um tempo onde não existia abundância de informações, qualquer tempo investido em checar a consistência de um dado, ou mesmo confirmar algum palpite, era um tempo bem precioso.
Com a modernização da imprensa e a evolução da arte de publicar livros, o mundo passou a ter mais acesso a informações. Todos queriam ler os jornais do dia. Cada canto do papel era valioso e as notícias eram devoradas. Os livros eram também uma grande fonte de conhecimento (e continuam sendo, viu século 21?). Quem tinha acesso a tudo isso estava minimamente informado e sustentava a cultura necessária para exercer qualquer propósito (comercial, político, artístico, etc). Quando um grupo de pessoas conhecidas se reunia, o que elas faziam? Compartilhavam informações: notícias, rumores, números, valores, tempo, rotas. Tudo interessava! A famosa taberna era um ótimo lugar para se passar o dia, esperando que algum desastrado bebesse além da conta e começasse a tagarelar informações preciosas onde, em sã consciência jamais revelaria.
Após as duas guerras mundiais, já no século 20, o mundo viu uma enxurrada de informações em vossos lares, especialmente graças aos avanços tecnológicos. Não apenas os antigos rádio e telefone, a televisão e então o fantástico mundo dos eletrônicos, computadores e a nossa indispensável internet. Já pensou viver um dia sem internet? Não dá nem pra pensar nessa possibilidade né? Mas vem cá, o que você faz com toda essa informação? Arrisco dizer que: A) muito pouco, ou B) bem menos do que nossos amigos do passado. Inclusive há uma brilhante comparação feita ao ponto de vista de dois escritores contemporâneos: Aldous Huxley (autor de Admirável Mundo Novo) e George Orwell (autor de 1984). Se você não viu esse paralelo, veja aqui. Resumidamente, Orwell acreditava que, no futuro, viveríamos em um mundo com privação de informações e controle excessivo das massas pelo governo. Já Huxley imaginava o oposto: não seria necessária nenhum tipo de privação ou censura, pois haveria um oceano de informação e as coisas relevantes se perderiam em meio a tanta irrelevância.
Traduzido do inglês: “O que Huxley temia era que não houvesse razão para censurar um livro, pois não haveria ninguém que quisesse ler (algum livro)”. Na imagem, uma família assistindo provavelmente um reality-show – “O Maior Perdedor” volta logo após esses recados.
Não apenas Huxley estava certo, mas também os próprios meios que antes zelavam pela essência e divulgação das informações – jornais e editoras, por exemplo, se renderam gradativamente à banalidade e ao oceano de irrelevância previsto em Admirável Mundo Novo. Temos uma internet lotada de informações – ora sem necessidade de controle, e quando controladas – no caso da Deep Web (a rede não encontrada por vias normais), está repleta de materiais carentes de algum propósito. Sites sem propósito, redes sociais onde as pessoas expõem suas vidas sem propósito, autores que escrevem livros sem propósito, compõem músicas sem propósito. E por fim, uma incansável jornada pela auto-promoção. Mas afinal, por que você quer se promover a qualquer custo na internet, amiguinho? Qual o seu conteúdo, afinal?
Antigamente todos faziam de tudo para proteger seus diários. Hoje fazem de tudo para revelá-los. Expor nossa intimidade virou prática cotidiana. Todo mundo sabe o que todo mundo pensa. E no fim, ninguém pensa nada que valha a pena!
OK, OK, são poucos e raros que valem a pena. Vocês venceram.
Por Davi Bottini Davi
é Administrador de Empresas, Paulistano de registro e Mineiro de criação: ama a cidade de BH e tem em Justinópolis seu coração e raízes. Trabalhou 10 anos para o governo e hoje está em uma multinacional. Adora tratar de negócios, política, sociedade e escreve por hobby….
Publicado originalmente em Covildadiscordia.com.br